“O Dia em que Tropecei no Reino das Vacas Demoníacas”
Eu juro pela luz do sol e pela água do poço que tudo o que vou contar é verdade, por mais absurdo que pareça. Nunca quis ser herói, nunca quis nem ser aventureiro… eu só queria pegar umas raízes perto da colina para o caldo da noite. Mas o chão abriu debaixo dos meus pés — como se tivesse cansado de me carregar — e eu caí. Caí por um buraco de luz azulada, rodopiando como roupa no varal durante uma forte tempestade.
Quando bati no chão, o ar era quente, quase sufocante, e tinha um cheiro de feno queimado misturado com enxofre. Eu me levantei devagar, tremendo, e foi aí que percebi: Eu não estava mais no meu mundo.
Campos estranhos se estendiam por todos os lados, iluminados por um brilho dourado que parecia de pôr do sol, mas o sol… não existia. Só um céu manchado de vermelho, como se tivesse sido pintado com sangue diluído. E nas sombras… elas mugiam.
Foi quando as vi: vacas, mas não como as daqui da aldeia. Eram altas, caminhavam sobre duas patas, e seguravam machados grandes demais para qualquer criatura sensata. Os olhos delas brilhavam em vermelho vivo, e o couro parecia marcado com símbolos que se mexiam sozinhos, como vermes presos na pele.
A primeira me encarou. Eu congelei. Ela levantou o machado e mugiu tão alto que meu peito vibrou. Corri na hora. Corri como se meus pés fossem feitos de fogo, corri como se fosse tirar o pai da forca.
Passei o dia escondido, rastejando por entre pedras rachadas e tufos de grama roxa que se mexia sozinha. Cada vez que eu respirava, o ar parecia queimar por dentro. Vi um grupo daquelas criaturas marchando, todas com machados de ferro pesado, e no meio delas… uma maior. Tinha coroa feita de Ouro, e os outros se afastavam quando ela mugia. Até o chão parecia tremer para obedecê-la.
Eu não sei como sobrevivi. Talvez porque sou covarde demais para morrer ali. A cada passo, eu só pensava na minha casa, na minha cama dura e no cheiro de sopa simples de nabo.
Quando o céu começou a piscar, como se estivesse piscando para mim, um rasgo de luz se abriu de novo. Não perguntei o que era. Não pensei. Pulei. Caí no mato perto do rio da minha aldeia, vomitei metade da alma e desmaiei.

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